sábado, 22 de setembro de 2007

Entrevista com Lopo do Nascimento (publicada pela Rádio Ecclesia no dia 25 de Abril de 1998


P - Quando é que começou a militar no MPLA ?
R: Bem eu não comecei a militar praticamente no MPLA porque, primeiro comecei a militar nas células juvenis do antigo partido comunista angolano , que teve uma vida efémera e depois fomos continuar militar ali ao longo de vários partidos que foram criados . Mas é preciso esclarecer uma coisa que eu penso , que quando se fala destas frases de pré-luta armada final , muita gente não explica que naquela altura não havia bem esta definição de partido como tal , nas pessoas havia um sentimento de querer participar e as pessoas faziam digamos assim todas actividades . Desde recolha de informação distribuição de panfletos , elaboração de panfletos , consciencialização política sem estarem muito presos , digamos assim a esta ou aquela organização política . Havia se você estava numa célula , um estava organicamente ligado outro não estava, tinham amigos ou familiares conhecidos que estavam mais sempre que se dissesse que tinha que se fazer aquela ou esta tarefa , muita gente participava.

P - Estamos em que ano?
R: Estamos em 1955 .

P - Foi mais ou menos nessa altura em que se fundou também o MPLA?
R : Sim, havia uma serie de organizações , como o MINA , o MIA , e no fundo as pessoas que estavam mais digamos assim , adultas e que estavam de momento a frente dos processos , muito deles estavam em duas ou em três organizações ao mesmo tempo o que era fundamental era mobilizar o povo.

P - como é que o Sr. saiu do partido comunista Angolano para o MPLA ?
R : Não , não saio , o partido criou-se e depois viu-se que não havia condições , naquela altura . Porque em vez de um alargamento do campo de acção , significava um estreitamento no campo de acção .
Então as pessoas como António Jacinto , Mário António Fernandes de Oliveira, Ilidio Machado , e outros que o criaram decidiram que decidiram que era melhor acabar com aquilo e estes passavam imediatamente para outra organização , movimento interno , de luta para a independência , o Mina .

P - Quando é que se observou a altura da saída do Sr. da cidade para as matas ?
R : Não .Eu nunca estive nas matas . Eu sempre estive aqui , sempre fui um quadro da direcção interna . Em 1974 houve problemas no MPLA no exterior , já tinha havido problemas da revolta do leste e havia necessidade de reforçar um pouco a frente de Brazzaville mais no de 1973 , eu recebi através da Suécia , do Mingas que era o Delegado daquilo uma indicação de que ele queria que eu fosse para o exterior. Foi assim que 1974 digamos assim sai para a (exterior) Argel .

P - Clandestinamente ?
R : Sim . Eu era trabalhador de uma empresa de cervejas que dava aos seus quadros uma licença em Portugal . Portanto eu aproveitei essa licença e fui para Portugal . Sai clandestinamente para Espanha e depois para Argel .
P - Teve algum apoio na saída de Portugal para Argel ?
R : Sim . Porque quando sai daqui já ia com indicação para ir-me embora com a mulher e dois filhos .
Portanto havia aqui em Malange os padres bascos foram eles que através de Lisboa leva-me para Madrid , e ali permanece durante duas semanas a viver num lar de seminaristas de padres , a mulher e os filhos num lar de madres em Madrid até obtermos os documentos para podermos sair de Argel e para Brazzaville .

P - O que é que o Sr fez em Brazzaville quando chegou ?

R : Em Brazzaville assumi a tarefa de informação na frente Norte.

P - Quando se deu o 25 de Abril o Senhor estava precisamente aonde ?
R : Estava em Argel .

P - E de que maneira é que este momento teve repercussões no seio do MPLA na Argel ?

R : Bem pouco antes de Março de 1974 digamos assim já tinha havido uma iniciativa de paz um levantamento militar . portanto já se esperava que podesse haver qualquer ciosa embora digamos assim se pudesse esperar que podesse haver uma evolução . Nunca se esperou que pudesse ser tão radical no sentido de constituir de facto um corte com o passado. Portanto as primeiras reacções era pouca gente que lá estava , na Argel estava Helder Neto , Camões Pepetela , estavam lá poucos quadros . E é claro a 1ª reacção foi uma reacção de ver o quê que ia do sentido de se poder Ter um interlocutor para resolver o problema das colónias , por outro lado o sentimento de que qualquer mudança que houvesse no sentido de mudança da ditadura para um regime liberal , e uma boa coisa par nós quer dizer das eis colónias porque na Argel naquela altura constituía um dos centros que tinha não só Angolanos , tinha também cabo-verdianos , tinha também muitos que tinham vindo da América Latina do Brazil. Uns fugiram da ditadura do Brazil no Chile portanto naquela altura Argel constituía mais uma capital dos combatentes da liberdade . naquela altura era ministro do estrangeiro um dos candidatos actuais a presidência Buty Flique , portanto era regime que tinha muitos refugiados inclusive alguns portugueses de ( uma maneira alegre).
Nessa altura o que soube da noticia era contactar os portugueses para saber se tinham algumas informações .

Acompanhar muito de perto o que se passava em Portugal pra ver se se conseguia obter mais informações. Havia alguns quadros que estavam em Portugal que iam procurando e iam mandando mais informações como o Dr. José Pinto de Andrade , e para se poder uma avaliação mais concreta se de facto naquela ambulância iria favorecer muito mais as eis colónias duque a 1 ª vista que iria acontecer.

P - O MPLA naquela altura havia traçado uma estratégia em função dos acontecimentos de 25 de Abril?

R : Não . O nível da direcção que me estava na Argel a direcção estava uma parte em Brazzaville e outra no leste. E traçaram-se porque havia documentos com directivas começaram-se a criar alguns grupos de trabalho no caso de se iniciarem negociações fundamentalmente começou-se sob ponto de vista de informações e propaganda , acompanhar muito de perto . Isso era mais em Brazzaville para poder a cada momento o ponto de vista da direcção do partido sobre aquilo que estava a passar . vocês sabem que depois de 25 de Abril houve logo no principio coisas que não ficaram bem claras no que se refere a descolonização da parte de M.F.A se para a Guine Bissau as coisas foram bem claras logo de inicio , o P.A.I.G.C já tinha declarado a independência e reconhecido pelas Nações Unidas em setembro de 1973 para Moçambique e principalmente para Angola que era a jóia do império as coisas não ficaram muito claras , portanto era preciso que a cada momento o MPLA definisse aos seus militantes, que estavam aqui e os que estavam lá fora a ir buscar uma formula de intermédio dos vários movimentos de forma que as negociações corressem bem.
Orientações e desmascarasse algumas posições que haviam se tomar o caso de Angola é muito mais complicado , sabem que houve os acordos com os Spinolas , declarações spinula não se sabe se era para dar independência se Angola teria independência ou não começaram-se a fazer movimentações no sentido se criar os movimentos tipo Rodésia aqui portanto em cada uma destas fases é claro que publicava declarações, publicava para os que estavam aqui , para os militantes do interior de forma para que não houvesse ou se perdesse de vista ou para que não se perdesse o objecto fundamental que era o de ir pra independência.

P - Nessa altura de que modo estava situado outros movimentos que lutavam para a libertação de Angola , no caso da FNLA e UNITA?

R : Eu não recebi de imediato o processo mas creio que o primeiro a fazer um acordo com os portugueses creio que foi a FNLA . se a memória me falha . Depois do encontro de Sá entre MOBUTO e SIPNULA que deixou muita suspensão sobre e se tinha tratado neste encontro . Depois disto houve uma grande entrada de militares da FNLA , ca em Angola e pouco depois houve um acordo de cessar fogo entre o Governo português e FNLA creio que a FNLA foi a primeira a fazer este acordo , antes de ser feito com a Unita e MPLA , isto na parte do MPLA foi uma surpresa porque pareceu uma corrida digamos assim em relação aos outros movimentos , e apartir daí passou-se a ir buscar digamos assim uma plata - forma de entendimento dos vários movimentos de forma que as negociações para a independências foram feitas não desigualmente para cada um isto poderia dar margem de manobra as negociações dos portugueses mais que se podesse buscar uma frente comum para as negociações. Porque eu próprio o falecido Mulolo o falecido Azevedo tivemos em Lusaka uns contactos com elementos da Unita neste sentido para que assinados os acordos do cessar fogo se podesse buscar forma dos movimentos se entenderem e aparecer nas negociações juntos.

P - Sr Lopo porque é que desconfiava dos portugueses?

R: Não porque as condições de Angola eram deferentes a primeiro era a colónia mais rica,, segundo era a colónia onde viviam mais portugueses terceiro era colónia onde o nível digamos assim da luta armada tinha atingido um ponto alto , depois regrediu . Portanto , isso todo criava diferentes condições da situação na Guine Bissau onde os próprios portugueses diziam Aqui perdemos a guerra; aqui estavam também criadas as condições um pouco diferentes de Moçambique porque Aqui havia muito mais partidos armados , em luta do que havia nas outras colónias , portanto a margem de quem quisesse manobrar seria muito maior em Angola do que seria em Moçambique , na Guine não falo em Cabo-verde porque as negociações eram PAIGC era o mesmo partido ai não havia luta armada nem falo em S .Tome porque as condições eram deferentes. Aqui de facto mesmo a posição dos portugueses em relação Angola em relação aos outros países Guine Bissau e em Moçambique aqui os interesses em jogo eram maiores.

P- Como é que foram as concertações entre os Movimentos de libertação?

R : Bom isto veio depois da Unita e MPLA depois assinaram os acordos de cessar fogo ou tréguas como foram chamados , neste aspecto então eu disse que os contactos eram mais fácies com a Unita do que com a FNLA porque com a FNLA havia um contencioso maior durante a luta de libertação . Mas creio que não só por iniciativa dos vários movimentos também por ajuda do presidente do Congo.

P- Na altura quem era o presidente do Congo ?
R : Era o Marien Nguabi com o presidente da Zâmbia com ajuda da O.U.A. do comité de libertação , então se foi se digamos assim aproximando e fortalecendo essa ideia de que era preciso os movimentos encontrarem-se antes de irem negociar com Portugal e negociarem os três e não de forma diferenciada . Isto culminou com os vários encontros que houve e terminou com um encontro que houve entre os três em mombassa antes do inicio das negociações com Portugal para a independência .

P - Nesse encontro de Mombassa o que é que ficou acordo ?
R : Bem ficou definidos a plataforma negocial para a independência , mais ai algumas questões que foram fundamentais que era portanto o reconhecimento dos três que Angola não deveria ser separada das suas fronteiras colónias portanto o principio de que Angola era aquilo que era as suas fronteiras ate eram fronteiras herdadas da colonização .

P - Incluindo Cabinda ?
R : Sim incluindo Cabinda . o principio de que deveria haver um período de transição , um período provisório para preparar se para que houvesse eleições , e que este período transitório poderia ser dirigido pelos três representantes , pelos três partidos e por Portugal .

P- Foi quando se teve a ideia da formação do governo de transição?
R- Sim, ali esboçou-se o que veria a ser esse período transitório, portanto deveria ser dirigido pelos representantes dos três movimentos e Portugal como potência colonizadora e que deveria se preparar todo o processo que levasse as eleições, elaborar a constituição, criar uma Assembleia, formar forças armadas únicas e uma policia partidária. Era uma preparação para a independência.

P- Esse conjunto de princípios do encontro de Mombassa foi aceite na totalidade pela potência colonizadora?
R- Não nem todos ( risos) as negociações foram bastante difíceis, porque Portugal tinha também os seus princípios, da mesma forma que também recusamos alguns princípios contidos na plataforma que os portugueses trouxeram. Havia a questão da indemnização pelos bens dos portugueses deixados aqui e outros como a divida que Angola tinha com a Metrópole, era preciso pagar esta divida… bem são elementos que fazem parte da história, mas felizmente eu tenho as atas de todas as negociações.

P- O acordo de Alvor foi o ponto mais alto desse período de negociações ?
R- Sim, Alvor foi o ponto mais alto e o acordo tinha uma série de princípios e o fundamental é que Portugal reconhecia o direito, a autodeterminação e a independência de Angola, portanto ai já não havia equívocos assim como também estava reconhecido o prazo que Angola havia de ascender a independência.

P- Foi ali onde ficou acordo o 11 de Novembro?
R- Sim. E ficou também estabelecido como seria constituído o governo no período de transição, uma espécie de repartição de pastas e qual era o papel da presença portuguesa fundamentalmente os aspectos militares, porque havia um processo de constituição do exército único e a retirada gradual dos militares portugueses, porque até 11 de Novembro eles todos tinham que sair.

P- O acordo de Luso foi antes ou depois de Alvor?
R- Foi antes de Alvor e foi um acordo entre o MPLA e a UNITA

P- Em que consistia esse acordo?
R- Era um acordo de cooperação, se a memória não me falha, foi um encontro entre o presidente Agostinho Neto e uma delegação da UNITA também chefiada pelo seu presidente Jonas Savimbi. Onde se dizia que era preciso respeitar o outro, não entrar em conflito, entre os movimentos de libertação e permitir que cada um fizesse a sua propaganda, ali onde estivesse actuar.

P- Depois foram para o governo de transição onde o senhor ocupou a pasta de primeiro-ministro pelo MPLA…
R- Sim, aquilo era uma estrutura um pouco complicada ( risos) a cabeça eara uma estrutura rotativa e muito complicada.

P- Como é que funcionava essa estrutura onde cada primeiro-ministro dirigia o governo num mês?
R- Bem o Governo era constituído pelos ministros e secretários de estados, vindos de vários partidos. E na cabeça cada primeiro-ministro dirigia o governo um mês de uma forma rotativa e tomava decisões fundamentais consultando as outras partes, mas o problema, eu dizia a bocado que era muito complicado, porque é evidente, se o governo era formado por gente de vários partidos, quando o primeiro-ministro por exemplo fosse da FNLA, os ministro do MPLA guardavam os dossier's para não os levarem ao despacho (risos) cada trazia o despacho quando estivesse o primeiro-ministro do seu partido. Então era muito complicado.

P- Como era a coabitação entre o senhor e os outros primeiros-ministros, nomeadamente José Ndele da UNITA e Johnny Pinnock da FNLA?
R- A coabitação foi se agravando na medida em que a situação no terreno também foi se agravando, começaram depois as confrontações entre o MPLA e a FNLA.

P- Qual foi a causa das confrontações?
R- isto faz parte de uma outra entrevista ( risos)

P- Foram as confrontações que determinaram o fracasso do governo de transição?
R- É evidente que tinha que se reflectir porque as coisas iam se agravando, vocês conheceram o que se viveu aqui em Luanda, nos musseques isso criou um mau relacionamento e chegou-se a conclusão que não valia apenas
O governo perder tempo a discutir este ou aquele assunto, se a questão fundamental era o problema da guerra e das confrontações.

P- Quando é que se chegou a conclusão de que o governo de transição era um "fiasco" ?
R- Depois houve confrontações muito violentas aqui em Luanda, creio que foi lá para Julho a FNLA saiu de Luanda, os membros governo toda esse gente saiu.

P- Saíram clandestinamente ou houve um acordo?
R- Houve um acordo. Eles não tinham condições os portugueses acertaram e ainda houve uma negociações que eu fiz com Ngola Kabango na fortaleza para organizar a saída. A FNLA saiu ficou a UNITA no governo, mas também estavam com receio, ficaram por pouco tempo e acabaram por sair.

P- A UNITA também negociou a sua saída ?
R- Não. Saíram clandestinamente, depois a parte portuguesa quis recompor as coisas, nós tivemos um encontro com a UNITA em Portugal, na tentativa de uma acordo, mas a partir daí já a dinâmica das confrontações se estava em marcha.

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